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Por um rigor na leitura


A popularização de textos densos via internet oficializa nenhuma vantagem quanto às performances de produção. Os dias atuais são marcados ora por uma alta soma de plágios na academia ora por uma desvalorização dos mesmos textos acessados. Acima disto, encontra-se a supervalorização de fragmentos. Embora as tantas obras estejam disponíveis, são assimiladas a partir de leituras cheias de recortes.
A fascinação em ver a tarefa pronta, o afã em elencar o maior número de obras conhecidas (na verdade, apenas visitadas), são inimigos de um amadurecimento intelectual. Deste modo, percebe-se que é impossível tornar-se, sinceramente, um pesquisador, sem que se mergulhe para fora da preguiça e certezas quanto ao conhecimento a partir de uma minúscula parte de determinada obra.
Aconselha-se ler o próprio autor para se entender o autor. Depois, seus intérpretes. Aconselha-se ler a sociedade em sua época quando da publicação ou – melhor ainda – quando fora escrita a obra. Leituras anacrônicas são responsáveis por conduzir a ações doentias, como violência, depreciação de gênero e conformidade político-religiosa. Aconselha-se compreender o gênero da obra. Seus possíveis autores. Sim, porque ninguém escreve um livro sozinho. Com ele, estão tantos outros que iniciaram projetos semelhantes. Ao lado dele, ideologias contrárias. Aconselha-se identificar os destinatários e o propósito de cada material escrito. Aconselha-se, através de um exercício profundo, verificar se um texto antigo lido, por exemplo, tem coerência com os dias atuais e se é possível algum tipo de ressignificação. Aconselha-se a abandonar qualquer identificação pessoal quando o destinatário estiver especificado. Seria muito constrangedor Caroline Massin, mulher de Comte, ler uma carta escrita por seu marido para Clotilde de Vaux, sua grande inspiradora, e achar que estava pensando em si mesma. Aconselha-se tomar cuidado com as ferramentas de interpretação. Elas podem não trazer nenhuma novidade e, pior, reproduzir as mesmas ideias de controle. Aconselha-se monitorar-se constantemente a fim de que toda a leitura não lhe seja sempre agradável. Isso pode ser um risco. Duvide. Vasculhe. Esquadrinhe as grandes partes, sem apequená-las. Cheire até o chão e, depois, cartesianamente, admita as partes complexas não desanimando. Aconselha-se a não desistir quando não mais se encontrar. O processo é dorido, mas o único percurso que interessa aos que, verdadeiramente, querem surpreender-se com o mundo das ideias.

Inteirar-se de um autor e de sua obra, ou de um plano ideológico encontrado na história, configura o início de um bom vício. Ser rigoroso consigo mesmo é perceber-se contribuinte num mundo carente de ser levado mais a sério. Como já dizia Foucault, se quisermos mudanças estruturais, precisamos entender a academia como aquela que tem larga responsabilidade nisso.

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