Encontrei
na Rodoviária Novo Rio um conterrâneo. Ônibus atrasado devido o término do
feriado de 7 de setembro e, a conversa, como quase sempre, rumou para religião.
Eu,
um teólogo protestante; ele, um dentista espírita-kardecista.
Livro
discutido: Jonas. Sem pormenores, apenas levantamos a possibilidade de um homem
ouvir a voz de D’us.
Segundo
seu argumento, Jonas era um médium porque ouvira a voz de Yahweh.
“Sim”,
disse a ele, “pressuposto religioso por pressuposto religioso, a gente entende
como quiser”.
Está
na cara, se sou um religioso a-crítico, pego qualquer texto e remonto-o segundo
as características e dogmas de minha comunidade religiosa. A dificuldade de
muitos está em deixar o texto lá, como é (note que não estou trabalhando sobre
o fato de Jonas ter ou não existido aqui). Ninguém quer se olhar e ver que
possui suas criações, suas vozes divinas que ficam ecoando na cabeça. Entendo que
ouvir a voz de D’us desligada de um contexto social e cultural faz mal.
Essa
coisa de ouvir a voz de D’us como que ouvir a voz de quem fala ao lado, sempre
me foi um grande muro para a compreensão. Há um livro do final da década de 50,
onde o judeu Sholem Asch, em seu livro O Profeta nos diz que o profeta não ouvia
a voz de D’us como entendemos, antes, recebia o phatos, o peso de Seu coração. Ou seja, o profeta sentia a paixão
de D’us e transformava aquilo em palavras.
É
bom crer que D’us fala (não como que alguém que fala ao lado) através de alguém
que saiba fazer leituras na sociedade. Boas leituras. Leituras em prol da liberdade.
Perceba
que o pressuposto de um bom profeta é uma religião que tenta proteger os
injustiçados, os órfãos e as viúvas, os pobres (...). Daí, ele faz a leitura da
sociedade em crise, sente o peso do coração de D’us pelas gentes
sofridas, e profere: “E assim diz o Senhor...”
Se
proceder assim é ser médium, convenhamos, temos alguns por aí. Mas, é claro,
isso na visão de um espírita que vê Jonas como um. Judeus e cristãos lhe dão
outro nome. Lá atrás, os videntes... À frente, encontraremos outros novos
nomes.
Para
que antes se ouça a D’us, é preciso que se ouça a sociedade e suas lamentações a
fim de pronunciar o portentoso “assim diz o Senhor”.
“Assim
diz o Senhor” não porque disse o Senhor, mas porque, vendo o Senhor a aflição
do povo, se utiliza de humanos que devem aprender a gritar em nome dos menores
por uma vida melhor e menos injusta.
D’us
ainda serve o ser humano e o ser humano ainda serve a D’us. Ou poderia dizer que D'us ainda serve o humano enquanto o humano serve outro humano?
Para
tantos, pouco importa o pressuposto religioso, visto que há médiuns, profetas,
padres, pais e mães-de-santo, pastores, etc, que tentam socorrer as vítimas do
mal de cada dia, mas onde vemos também que suas posições de poder e de oráculos
sagrados, fazem mal aos seus fiéis e aos não adeptos do dogma que pregam.
Daí, meus caros, que surjam bons profetas lá dentro... Precisamos com
urgência de pessoas que ouvem a voz de D’us dentro de suas religiões para
condenar o que se faz quando charlatães dizem ouvir a voz de D’us e passam a
viver do que o outro tem pra dar. Quanto a essa voz, prefiro não ouvir.
NA
GRAÇA
LELLIS
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