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Salmo 77, Milton Nascimento e eu

Salmo 77... até a pausa (selá) do verso 9.

1. Clamo a Deus por socorro; clamo a Deus que me escute.
2. Quando estou angustiado, busco o Senhor; de noite estendo as mãos sem cessar; a minha alma está inconsolável!
3. Lembro-me de ti, ó Deus, e suspiro; começo a meditar, e o meu espírito desfalece. (selá)
4. Não me permites fechar os olhos; tão inquieto estou que não consigo falar.
5. Fico a pensar nos dias que se foram, nos anos há muito passados;
6. de noite recordo minhas canções. O meu coração medita, e o meu espírito pergunta:
7. "Irá o Senhor rejeitar-nos para sempre? Jamais tornará a mostrar-nos o seu favor?
8. Desapareceu para sempre o seu amor? Acabou-se a sua promessa?
9. Esqueceu-se Deus de ser misericordioso? Em sua ira refreou sua compaixão?" (selá)
Segue trecho de "Certas Canções", de Milton Nascimento:

Certas canções que ouço
Cabem tão dentro de mim
Que perguntar carece
Como não fui eu que fiz?
Há certas leituras Bíblicas, que segundo minha amiga judia, nos fazem silenciar. Tratamos de vários textos colocando-os à mesa para discussão, críticas e apontamentos nossos; em outros há uma identificação. Nos identificamos porque o autor ali é humano. Humano como nós. Ao colocarmos certos salmos diante de nós, tomamos um susto. Fazem-nos lembrar que a história bíblica contemplou homens e não a anjos. O sangue jorra das Escrituras, os gritos ecoam, os lamentos, as diferentes dores, os partos, as partidas, a saudade, o riso, a dança, o êxtase, os fenômenos mais complexos que o ser humano pode abraçar e viver. Lá estão, todos eles, nas Escrituras.

As estações da vida são assim. Passamos por elas. E se confirmamos a sacralidade da vida de um homem-personagem bíblico, temos de sacralizar também nossa. É sagrada. É sagrada não porque passamos pelas mesmas intempéries, mas por que as dúvidas são "quase" as mesmas. Só há um porém: sacralizamos tanto personagens bíblicas que temos vergonha de assumir uma sacralidade da dúvida. Estamos em dívida com as nossas dúvidas.

E por que teço tantos escritos meus sobre um assunto só?

Porque há os que chegam a jurar de pé junto que todas as dúvidas representam ausência plena de fé. Tenho seriíssimas dúvidas quanto a isso. Ainda acho que o medo é o antônimo de fé. Ora, nos identificamos com Asaph, provável dono deste salmo porque desfere duros questionamentos a D'us quanto à sua presença, amor, bondade... Na aflição humana, atingimos esse nível. Não há um sequer que não pergunte. Aliás, se hoje já não pergunta, é porque já teve vontade e alguém disse que era blanfêmia e sinal de fraqueza. Por isso, guardou os questionamentos, emudeceu a humanidade e sacralizou-se como sacraliza ainda hoje as personagens bíblicas que não deveriam estar com todo esse ibope. Enquanto tomamos por deuses os homens e as mulheres nas Escrituras, adoecemos e tropeçamos em nós mesmos porque já não temos com quem contar na história. Fica tudo tão perfeito. A sensação é que estou no lugar errado, numa vida errada e onde o maior desejo é parar. Desistir. Abrir mão de tudo. Tirar a mão do arado.

É por isso que elogio o questionador. Porque é alguém que encontrou uma forma de não desistir. Seus questionamentos são diante de seu D'us, cuja possível resposta pode ser encontrada.

Se esse interesse - o de perguntar, de duvidar - um dia se extenuar, tudo acaba, pois se entregaria às totais certezas de que D'us não ouve, não ama, não é bom.

Sinto, e isso é mais que sensação, que as dúvidas sempre serão aliadas para que, assim como Asaph, minha invocação continue, independente das lembranças.

Sim, prezado Milton, há certas canções que me identifico. Há certos textos que diante deles me calo. E enquanto houver dúvidas, continuarei. Cantando. Cantando como se músicas fossem minhas, como se textos fossem meus.

Pelo imenso prazer de continuar, tenho certeza de que as dúvidas fazem parte do processo.

NA GRAÇA
LELLIS

2 comentários

Morah Ma disse...

Lindo.

NELSON LELLIS disse...

Pois é Marcella, como lhe disse: vez enquando temos de amolecer o coração.
Abraços

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