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O Brasil de Bom Jesus

Sempre que ia para meu curso de pós-graduação em Vitória, tinha de passar por uma cidade chamada Bom Jesus do Itabapoana. Lá, ainda abriga uma antiga casa de tratamento para pessoas com distúrbios e transtornos psicológicos e dependentes químicos, que ao longo dos anos, aqui em minha cidade (Porciúncula), passou a ser chamado vulgarmente (pela maioria) de “Hospício de Bom Jesus”. Depois de um tempo, alguns aproveitavam certas ocasiões para dizer: “precisa levar o fulano para Bom Jesus”. “Bom Jesus” por aqui é sinônimo de Hospício, de gente que não bate bem.

Certa vez, aguardava no terminal rodoviário de Itaperuna, quando um senhor se dirigiu a mim com um panfleto evangélico nas mãos. Como sempre, educadamente, eu recebi e o li. Era um salmo. Acho que o 91. No verso, dois quadros em branco a serem marcados. Sim, se eu quisesse aceitar Jesus; Não, se desejasse procrastinar a decisão, além do endereço da igreja.

Já pensaram na possibilidade de colocarem uma urna eletrônica à frente de cada banco (os bancos estão sendo aposentados; no lugar, cadeiras acolchoadas) da igreja para o momento do apelo? Imaginem: o pregador acaba a mensagem e lança o desafio “Quem deseja aceitar, aperte Sim e aparece na tela Jesus fazendo um sinal de Ok e os anjos ao seu redor tocando trombetas demonstrando a grande festa no céu por mais um pecador que se arrepende. E pode arrematar dizendo “Quem quiser deixar para depois, aperte o Não, porque não há outra escolha; ou você é amigo de Deus, ou é seu inimigo”. E o sujeito, na sua mais insana decisão, lasca o dedo no Não. A tela fica quente. É fogo pra tudo quanto é lado. São imagens de anjos caídos sofrendo e outros com armas ameaçadoras. E ainda aparece uma legenda: “Cuidado! Não deixe para amanhã! Pode ser tarde demais!”

Observo, adoecido, a cada dia que passa, que determinadas formas de evangelização não fazem mais jus ao sistema de mundo em que vivemos. Basta olharmos para os números. O Brasil cresceu no número de evangélicos e a pergunta continua: “E aí? O que mudou?”

Estaria o livro da vida abarrotado de nomes enquanto o mundo perpetua uma biblioteca de insanidades evangélicas? Vejo tanta gente ser curada em nome de Jesus, mas e daí? Tanta gente falando que não falta uma reunião da igreja, mas e daí? Tanta gente que cansa de agitar bandeira denominacional e partidária para o candidato (tem que ser evangélico) tal, mas e daí? É dizimista, e daí? Assume quinhentos ministérios na igreja, mas e daí? Será que o que importa é um sem número "salvos" entupidos de violência, de irresponsabilidades?

Estamos numa crescente numerolatria. As igrejas abarrotadas, a ética esburacada.

Gosto de uma frase de John Stott: “se fazemos trabalho social esperando ganhar almas, estamos sendo desonestos”.

Uma forma de mudar isso é fazer ao outro pelo caminho do amor ágape. Ainda que de forma deontológica. Acho que o próprio Cristo nos ensina isso, mas a gente vai ficando tão desesperado com o fim dos tempos que inicia um trabalho evangelístico através de urna: “Sim” x “Não”.

Não adianta, o amor às pessoas ainda é a melhor forma de “demonstrar cristianismo” ou ao menos humanidade neste mundo. Não negamos a preocupação sobre a eternidade, mas já passou da hora de buscar salvar a nós mesmos (humanidade) no mundo.

Se alguém perguntar quantos discípulos desejo fazer, direi “muitos”. De que forma? “Levando-os para longe, bem longe de uma ‘lógica’ comprometida com o mercado sujo das almas”. Sujo porque desejam salvá-las de uma consciência que ainda fabrica males a torto e a direita. Se o que queremos é um país tornado evangélico para que todos tenham sua garantia celestial (e só isso), preparemo-nos!, o país poderá ser apelidado por alguns "porciunculenses" de “o Brasil de Bom Jesus”.

NA GRAÇA
LELLIS

Um comentário

Anônimo disse...

Me lembro de uma irmãzinha que após entrar em um taxi, em um dia de calor extenuante, e ouvir o comentário do taxistica sobre o calor começou a evangeliza-lo com a seguinte pérola "evangélica": calor é no inferno, para onde o senhor vai... Penso que esta abordagem cria medo de DEUS. Há muitos que tem medo de DEUS. Na verdade Jesus pouco ia ao templo, mas o Templo estava dentro DEle.
O que acha querido irmão?

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