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A parábola da Rã - por: Rubem Alves

Tirem suas conclusões...

“Num lugar não muito longe daqui havia um poço fundo e escuro onde, desde tempos imemoriais, uma sociedade de rãs se estabelecera. Tão fundo era o poço que nenhuma delas jamais havia visitado o mundo de fora. Estavam convencidas de que o universo era do tamanho do seu buraco. Havia sobejas evidências científicas para corroborar essa teoria, e somente um louco, privado dos sentidos e da razão, afirmaria o contrário. Aconteceu, entretanto, que um pintassilgo que voava por ali viu o poço, ficou curioso e resolveu investigar suas profundezas. Qual não foi sua surpresa ao descobrir as rãs! Mais perplexas ficaram elas, pois aquela estranha criatura de penas colocava em questão todas as verdades já secularmente sedimentadas e comprovadas em sua sociedade. O pintassilgo morreu de dó. Como é que as rãs podiam viver presas em tal poço, sem ao menos a esperança de poder sair? Claro que a idéia de sair era absurda para os batráquios pois, se o seu buraco era o universo, não poderia haver um ‘lá fora’. E o pintassilgo se pôs a cantar furiosamente. Trinou a brisa suave, os campos verdes, as árvores copadas, os riachos cristalinos, borboletas, flores, nuvens, estrelas... o que pôs em polvorosa a sociedade das rãs, que se dividiram. Algumas acreditaram e começaram a imaginar como seria lá fora. Ficaram mais alegres e até mesmo mais bonitas. Coaxaram canções novas. As outras fecharam a cara. Afirmações não confirmadas pela experiência não deveriam ser merecedoras de crédito, elas alegavam. O pintassilgo tinha de estar dizendo coisas sem sentido e mentiras. E se puseram a fazer a crítica filosófica, sociológica e psicológica do seu discurso. A serviço de quem estaria ele? Das classes dominantes? Das classes dominadas? Seu canto seria uma espécie de narcótico? O passarinho seria um louco? Um enganador? Quem sabe ele não passaria de uma alucinação coletiva? Dúvidas não havia de que o tal canto tinha criado muitos problemas. Tanto as rãs-dominantes como as rãs-dominadas (que secretamente preparavam uma revolução) não gostaram das idéias que o canto do pintassilgo estava colocando na cabeça do povão. Por ocasião de sua próxima visita o pintassilgo foi preso, acusado de enganador do povo, morto, empalhado e as demais rãs proibidas, para sempre, de coaxar as canções que ele lhes ensinara...”

(ALVES, Rubem. O que é religião? São Paulo: Loyola, 1999, pp.117,118)

2 comentários

Anônimo disse...

Meu caro, com base na história " A sociedade das rãs", gostaria de ler uma breve reflexão sua a partir da seguinte pergunta:

Qual deveria ser o papel da religião?

Se puder responder, ficarei imensamente grato.

Att. jl

NELSON LELLIS disse...

Prezado anônimo, obrigado por seu comentário. Parece-me mais uma pergunta retórica. Todos possuem seus pressupostos, sua base diante da existência, da sobrevivência e da utilidade da religião - que é diferente do "papel de Deus".
Acredito que o papel da religião (circunscrevo-me aos cristianismos) deva ser de integrar o ser humano a determinada comunidade e gerar sentido para as coisas.
Para mim, o ponto positivo está no primeiro propósito. O segundo, o de gerar sentido, é perigoso, pois acarreta em muitas dificuldades diante da realidade, visto que o dogma distribui seus axiomas a tal ponto que pode gerar doenças psicológicas no "crente".
Entendo que para cada ciência, a religião possui o seu papel. E se religião é religar o humano ao sagrado, depende do que você considera sagrado e a quê deseja ser religado.

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