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Liberdade e Dependência - um balaio de gatos com Bauman

Ultimamente estou acompanhado do sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Sua obra Modernidade Líquida deve ser sublinhada. Mas aqui, antes de qualquer comentário pertinente, sou levado a pensar nas bênçãos mistas da liberdade. Bauman cita a Odisseia:

Lion Feuchtwanger propôs que os marinheiros enfeitiçados por Circe e transformados em porcos gostaram de sua nova condição e resistiram desesperadamente aos esforços de Ulisses para quebrar o encanto e trazê-los de volta à forma humana. Quando informados por Ulisses de que ele tinha encontrado as ervas mágicas capazes de desfazer a maldição e de que logo seriam humanos novamente, fugiram numa velocidade que seu zeloso salvador não pôde acompanhar. Ulisses conseguiu afinal prender um dos suínos; esfregada com a erva maravilhosa, a pele eriçada deu lugar a Elpenoros – um marinheiro, como insiste Feuchtwanger, em todos os sentidos mediano e comum, exatamente “como todos os outros, sem se destacar por sua força ou por sua esperteza”. O “libertado” Elpenoros não ficou nada grato por sua liberdade, e furiosamente atacou seu “libertador”:

- Então voltaste, ó tratante, ó intrometido? Queres novamente nos aborrecer e importunar, queres novamente expor nossos corpos ao perigo e forçar nossos corações sempre a novas decisões? Eu estava tão feliz, eu podia chafurdar na lama e aquecer-me ao sol, eu podia comer e beber, grunhir e guinchar, e estava de meditações e dúvidas: “O que devo fazer, isto ou aquilo?” Por que vieste? Para jogar-me outra vez na vida odiosa que eu levava antes?
O balaio de gatos começa aqui.
Fui levado a outro livro: Êxodo. Um povo escravizado há 430 anos no Egito e Moisés se atreve a libertá-lo. Um povo que já tinha conquistado identidade: era escravo. Suas panelas eram cheias de carne. Havia água. E apesar de muito trabalho, uma comunidade de irmãos. Ao serem libertos, caem no deserto e o deserto cai sobre eles. Erguem suas vozes contra Moisés e Deus: “Por que nos tiraste do Egito? Lá tínhamos comida e etc e tudo o mais...”

No Egito tinham comida, trabalho e a rotina que os escalava. No Egito, teriam, além de questionar, agir. Além de duvidar, crer. Além de saber, meditar. Além de agir, esperar. Além de crer, duvidar. Além de meditar, saber. Além de olhar para trás com saudades, para frente com expectativa.

Ser livre é uma bênção ou uma maldição? Será que é possível ser um humano com integridade e honra (Mensch) estando livre?

No primeiro caso, notamos um porco que já fora homem e agora, frustrado, reclama para si o direito de não querer tornar a ser homem. Pois o homem sabe como é difícil viver e trabalhar e ter de tomar decisões e apresentar resultados e dar satisfações... No segundo caso, temos uma geração que não sabe o que é liberdade (ao menos o que é liberdade para nós). Pensam que a liberdade é melhor do que a escravidão e topam. No deserto, começam a descobrir que essa liberdade depende de uma dependência. E segundo o próprio Bauman, dependência e liberdade não se contradizem.

O que pensar, então, dessa tal liberdade?

Para alguns, livre é ser escravo de um sistema – mesmo que eclesiástico –, enquanto que para outros, é viver pensando tão somente no si mesmo fazendo dos outros escravos de seu próprio sistema – que beira a religião.

Agora, há uma liberdade de dependência que beira a loucura. E por isso, talvez o mais sábio risco, o mais pertinente sentido, a mais bíblica devoção de todas: “o caminhante descobre o caminho caminhando”. A dependência aparece em continuar a caminhada. Não retroceder. Progredir! Dependente de Deus, mas agindo com as ferramentas do deserto. Ferramentas? Ora, quem caminha sabe o que já encontrou, de onde bebeu, de onde veio comida, sustento, chão, sombra...

Portanto, se a liberdade depende de uma dependência para ser, é dependendo de Deus que chama para caminhar que eu vou. Não sei os assuntos da esquina, a fé não serve pra isso, mas entendo o necessário: caminhando e cantando e seguindo a canção, somos todos iguais, braços dados ou não. Assim vou...

NA GRAÇA
LELLIS

5 comentários

Mateus disse...

Havia lido uma frase de Sto. Agostinho agora a pouco e parece encaixar com o sair da inércia e descobrir-se a si mesmo e a Deus em meio ao movimento da caminhada:
"Se não podes entender, crê para que entendas. A fé precede, o intelecto segue."

Mariáh disse...

Você se enganou. Desse eu gostei. Gostei mesmo.

Até que não foi complicado, hehe.

Morgana disse...

Amém!"O caminhante descobre o caminho caminhando." Uma enorme verdade!E Deus tem sido refúgio e fonte de força nas minhas caminhadas pelos desertos da vida!Quero aprender cada dia mais depender dEle e parar de me assemelhar aos israelitas no deserto a murmurar...Abraço Nelsim,que Deus continue a te abençoar

BLOG DO IASBECK disse...

Olá Lellis, bela reflexão. Não sou religioso e não sigo o tom do seu texto, mas comungo das idéias. Gostei de ter citado o Baumann. Ao contrário do que diz o óbvio OSHO, liberdade é a competência que temos de escolher nossa dependência, quando, como e durante o tempo que quisermos. Ou seja, não há uma dicotomia entre liberdade e escravidão. São complementares. Valeu. abraço

NELSON LELLIS disse...

Obrigado pela visita e comentário "Iasbeck". Visite também ventosmodernos2.blogspot.com.br
Amplexos.

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