Contemplação e sobrenaturalismo: o que se resumiu a missão da igreja

Não se trata de uma sensação ou presságio, a igreja se tornou mesmo num espaço de contemplação e sobrenaturalismo. A missão foi resumida na proclamação, na homilética, no bom desempenho verbal. 

Em muitos momentos, chega a assustar aquela magia de "cuidado com o que fala porque suas palavras têm poder"; é um negócio que se resume em "fale e acontecerá". Aquele necessitado da rua pede pão o cristão diz “Deus te abençoe”, e crê firmemente que tudo acontecerá naquela palavra liberada. Os milhões de perseguidos políticos e religiosos sofrem torturas infindas e o sujeito entende que emitindo saudações em nome de Jesus será o suficiente para que todas as coisas se resolvam.

Não é à toa que contam que os cristãos têm uma boca grande e mãos pequenas. De fato, ninguém se aproxima mais, ninguém valoriza a terapia, a sociabilidade que se pode ter num espaço desses. Ficou sério demais. Burocrático demais. Divinizado demais. Santificado demais.

Acho que o problema está em perder a reputação e ser sujo. Sujo, não no sentido de ser falto com determinados compromissos ou com a ética e Constituição, mas no sentido de pular as cercas da religião. Ninguém quer perder a reputação evangélica que ganhou (ou melhor, conquistou). É o verniz, é a pompa, é o modelo, é a classe - o que podemos definir como o ópio do povo. Isso: a reputação evangélica é ópio porque dessensibiliza o Evangelho no ser.

E o que é reputação? Ora, basta lembrarmos como Jesus era visto: comilão, beberrão, amigo de pecadores, alguém que mantinha pacto com Belzebu. Alguém que se aproximava de gente que vivia à margem da sociedade. Tocava e deixava ser tocado por gente humilde, doente, à míngua. 

Sinto que os moldes cristãos do compartilhar os afetos se esvaem entre os dedos. Mas o que são dedos se não usamos as mãos, não é mesmo? A proclamação é vazia de vida e o testemunho cheio de nada. Quem sabe um dia a gente não aprende a tocar quando necessitarmos de um toque, de uma terapia do abraço, de um ombro, de um braço a cercar-nos?

O amor quer abraçar e não pode.

A multidão em volta,

com seus olhos cediços,

põe caco de vidro no muro

para o amor desistir.

(Adélia Prado, Corridinho)

NA GRAÇA

LELLIS